31/10/2015

Tony Blair "pede desculpas" pelos erros na invasão do Iraque

Leitores, dá pra acreditar nisso?

Vejam só esse segmento da CNN:

http://edition.cnn.com/2015/10/25/europe/tony-blair-iraq-war/

Nele, Fareed Zakaria entrevista Tony Blair e eles tem o seguinte diálogo:
Fareed Zakaria: "Dado, no entanto, que Saddam Hussein não possuía armas de destruição em massa, a decisão de entrar no Iraque e derrubar seu regime foi um erro?"

Tony Blair: "Posso dizer que peço desculpas pelo fato de que a inteligência que recebemos estava errada porque, apesar dele ter utilizado armas químicas extensivamente contra sua própria população e contra outras, o programa da forma que achávamos que era não existia da forma que pensávamos (...) e certamente, nosso erro no entendimento do que aconteceria se removêssemos o regime."
E é isso. Doze anos depois, e em duas frases confusas, Blair tenta se redimir. O entrevistador vira seu cúmplice: simplesmente não pressiona Blair nessa questão. É claro, se pressionasse, não conseguiria mais entrevistas com o alto escalão.

A resposta é genérica pois ele admitiu que a inteligência era errada, porém não se aprofundou no porquê. Os acontecimentos que cercaram o casus belli, a razão para a guerra do Iraque, já são conhecidos. Na primeira reunião do National Security Council da administração Bush, em 30 de janeiro de 2001, o assunto já era o Iraque (link e link, e em mais detalhes no livro The Price of Loyalty, de Ron Suskind). Horas depois do ataque do 11 de setembro de 2001, Rumsfeld ordenou que seus subordinados obtivessem informações relacionando Saddam ao ataque, com o objetivo de atacar o Iraque na esteira dos atentados (link). Rumsfeld abriu um escritório, chamado "Office of Special Plans" (Escritório de Planos Especiais), cuja função era encontrar informações para substanciar uma intervenção militar no Iraque. É desse escritório que saíram as mentiras sobre armas de destruição em massa e sobre as conexões do governo do Iraque com a al-Qaeda.

Especificamente sobre as armas de destruição em massa, uma das mais espetaculares mentiras era de que a qualquer momento, o Iraque poderia executar um ataque nuclear nos EUA. Essa afirmação - irrefutável, segundo a Casa Branca - era uma especulação, por parte de um pequeno grupo de analistas, de que certos "tubos de alumínio" adquiridos pelo Iraque serviriam para um centrífuga de enriquecimento de urânio. Diversos especialistas duvidaram disso, já que os tubos simplesmente não eram do tipo utilizado em centrífugas. Toda a história é muito bem contada no filme Jogo de Poder, de 2010. Por que não perguntar a Blair diretamente sobre isso? Como ele pode ter acreditado nesse pequeno grupo? Será que isso faria Blair gaguejar um pouco? Na verdade, o entrevistador podia ter perguntado sobre cada uma das afirmações mentirosas feitas no caminho para a guerra do Iraque, feitas pela adminsitração Bush e ecoadas pelos seus parceiros da OTAN... Mas aí a entrevista precisaria de vários dias, já que são 935 dessas afirmações, segundo o autor Charles Lewis.

Obrigado ao zerohedge pela dica do link.

26/10/2015

Atualização da Síria - 26/10/2015

Olá. Como ressaltei na coluna há uns dias atrás, a situação na Síria está evoluindo rapidamente. A "nova" Guerra Fria se transformou numa guerra de características novas. Apenas em raras ocasiões os caças russos e estadunidenses estiveram no mesmo campo de batalha, e desta vez, a disputa é indireta.

Primeiro, algo que eu não tinha notado. O governo do Iraque está sinalizando que quer a ajuda da Rússia para combater o ISIS dentro do seu território. Isso deve estar dando algumas noites em claro para alguns planejadores do Pentágono. Além disso, hoje o Wall Street Journal noticiou que o governo afegão irá comprar helicópteros, armas e munição dos russos. Ambos os eventos sinalizam que a intervenção da Rússia vem repercutindo positivamente nos vizinhos da Síria.

Segundo, e do outro lado, o Secretário de Estado John Kerry se encontrou com o mais alto escalão da monarquia Saudita: Salman bin Abdulaziz Al Saud, o rei; Muhammad bin Nayef, o príncipe; Mohammad bin Salman Al Saud, o vice-princípe; e Adel al-Jubeir, o ministro de relações exteriores. Num curtíssimo pronunciamento, o Departamento de Estado afirmou que ambos "prometeram continuar e intensificar o apoio a oposição moderada na Síria enquanto a via política também está sendo trilhada". A hipocrisia é realmente incrível, como notou o zerohedge: ao mesmo tempo que armam grupos dentro da Síria, podem dizer ao público que estão buscando uma solução política.

Terceiro, algo que eu me esqueci de mencionar até agora. A Rússia continua tentando obter, dos EUA e da União Européia, informações sobre a "oposição moderada" que eles apoiam. Ambos se recusam a cooperar. Ou seja, reclamam que os russos estão atacando posições dos rebeldes que eles financiam, mas se recusam a revelar onde estão tais rebeldes, para que a Rússia não ataque.

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Há duas outras características do conflito que valem a pena notar.

De um lado, os EUA sempre obscurecem suas operações, não revelando praticamente nada sobre cada ataque. Há bombardeios em cidades, em "complexos terroristas" e outras referências vagas, mas nada muito concreto. Isso é tão rotineiro que os EUA foram capazes de dizer, inicialmente, que não tinham detalhes do ataque ao hospital em Kunduz. Isto é, os EUA criaram tamanha blindagem contra os olhos inquisidores da imprensa e do público, que virou procedimento padrão negar, negar, negar. A Rússia está fazendo um esforço para se diferenciar nesse aspecto. Comunica regularmente quais ataques foram feitos, com detalhes, e muitas vezes com vídeos e imagens.

Por último, a entrada da Rússia também representa a entrada de um sistema de satélites que se assemelha ao sistema dos EUA. Ou seja, o tipo de informação que a Rússia é capaz de obter de elementos do campo de batalha é muito melhor que o do Exército Sírio. Imagino que essa seja uma das razões para a aparentemente eficiente campanha que os russos estão fazendo.

23/10/2015

Coluna do jornal Hora do Povo, 23/10/2015

Olá, leitores!

Estou - finalmente - conectando o blog à coluna. Me desculpem pela demora.

As colunas anteriores podem ser encontradas em:

  1. "Tropas americanas no Mar Báltico" (17/06/2015)
  2. "Espionagem na França" (01/07/2015)
  3. "CIA usa apoio de psicólogos em sessões de tortura" (15/07/2015)
  4. "Filmadoras e Armas" (31/07/2015)
  5. "A Guerra 'Fria'" (14/08/2015)
  6. "OTAN versus Rússia" (28/08/2015)
  7. "11 de Setembro" (11/09/2015)
  8. "DDHH, ONU, e Arábia Saudita" (25/09/2015)
  9. "Russos na Síria" (09/10/2015)
  10. "Ainda sobre a Síria" (23/10/2015)
Esta última (link) segue em versão hypertext abaixo:

Ainda sobre a Síria

Há um burburinho agora, sorrateiro, dizendo – após 20 dias – que a intervenção russa na Síria foi um enorme fracasso. Que Putin está cavando a própria cova, que ele só entrou no conflito abertamente pois os EUA deixaram um “vácuo”, e que no fundo, no fundo, seu objetivo é apenas fortalecer sua influência com os extremistas e ditadores Xiitas inimigos do Ocidente: A Síria “de Assad”, o Irã e, para não ter dúvidas de quem estamos falando, o Hezbollah.
Não caiam nessa, amigos. É o chamado “spin”, o jeito de dar a notícia que consegue impor um certo ponto de vista. E não é um spin qualquer. Segundo a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, podemos comparar a postura da mídia Ocidental com relação a intervenção russa com a de um “batalhão armado ofensivo”. É quase impossível não perceber as curiosas e cuidadosas escolhas de palavras por parte dos jornalistas.
Além disso, este é um assunto complexo; ou seja, é precipitado tirar conclusões após 20 dias de intervenção militar. A essa altura, apenas acompanhar os acontecimentos é uma atividade custosa. Hoje mesmo, enquanto fecho esta coluna, foi confirmado que Bashar al-Assad foi à Rússia encontrar Putin, em sua primeira viagem oficial ao exterior desde 2011.
Dito isso, devo dizer que em relação a coluna anterior, encontrei mais confirmações que de fato, a Rússia vem atacando posições de todo tipo de terroristas, incluindo os “moderados” financiados pela CIA e pelo Pentágono. Especulo que esse é um dos seus objetivos estratégicos. Ao atacar posições clandestinas dos EUA na Síria, os russos reforçam a aliança com Assad, e ao mesmo tempo podem observar a reação consternada dos EUA, que não pode sequer admitir a existência de tais operações clandestinas.

Os Drone Papers

Na semana passada, uma nova leva de documentos foi revelada pelo blogTheIntercept.com. Essa nova leva de documentos lida diretamente com um dos mais secretos programas dos EUA: assassinato via drone. O autor do vazamento ainda é desconhecido. (Nota: Um link prático para os documentos pode ser encontrado no Cryptome, é um dos links do dia 15 de outubro).
Os documentos, por si só, são fascinantes. Dá toda a impressão que esse era exatamente o tipo de documento que apenas os olhos do mais alto escalão dos EUA podiam ver. Eles dão uma visão do que foram a Força Tarefa (Task Force) 48-4 e a Operação Haymaker. Uma das revelações é que, no caso da Operação Haymaker, no nordeste do Afeganistão, em 56 ataques, foram 219 “inimigos mortos” (Enemy Killed in Action, EKIA no documento) para 35 “prêmios” (jackpot, JP no documento). Os prêmios, é claro, são os alvos. Em média, para cada alvo morto, 6 outras pessoas morreram, simplesmente por estarem perto dele. Também fica óbvio que alguns ataques erraram totalmente o alvo.
A cobertura do The Intercept é bastante abrangente, sendo oito matérias, cada uma focando em um aspecto do programa e de seus problemas. É de ficar tonto. Entre os outros aspectos estão: o especulativo processo de “adivinhar” se o indivíduo em questão foi morto ou não; o especulativo processo de determinar quemrealmente morreu; a grande burocracia envolvida nos ataques; os depoimentos de diversos oficiais denunciando as falhas do programa; adifícil relação com os governos do Iêmen e da Somália; e a expansão militar dos EUA na África (de onde a Força Tarefa está baseada).
O crucial, no entanto, está no primeiro artigo. Intitulado “O Complexo do Assassinato”, ele inicia assim: “Drones são uma ferramenta, não uma política. A política é assassinato”.

26/05/2015

Manchetes do Mês Passado - III

Olá, leitores.

Mais uma sequência para tentar alcançar os dias de hoje.

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30 de abril de 2015

WhoWhatWhy: "Quando um Infiltrado do FBI se Torna um Criminoso?"

Nesta entrevista de 20 minutos, Russ Baker descreve brevemente como tem sido o julgamento de Dzhokhar Tsarnaev. Ele diz: "a defesa disse que ele cometeu o crime, o que deixou as pessoas um pouco confusas já que se esperava algum tipo de defesa... Mas de qualquer maneira...". Ele também se aprofunda um pouco sobre a questão do FBI. O FBI entrevistou Tamerlan, o irmão e "arquiteto" do ataque, antes de Tamerlan ir ao Dagestão e supostamente receber treinamento terrorista. Nessa entrevista, Tamerlan simplesmente disse que "não era um jihadi", e o FBI concluiu que não havia nada mais a fazer, o que Russ achou bastante estranho. Depois da viagem ao Dagestão, o serviço antiterrorista russo avisou o FBI, que novamente não agiu de maneira alguma. 
Segundo Russ (a partir de 6:45), "para mim, o que eu percebi nesta história, consistentemente, é que o governo federal estava muito preocupado sobre alguma coisa que ele não estão revelando, e era muito, muito importante, mudar o 'tom' do julgamento. Eles estabeleceram uma pesada operação psicológica nesta história. Se você olhar outros julgamentos federais, nunca houve tantos vazamentos para a mídia e uma preocupação tão grande em criar uma narrativa, uma narrativa mística, sobre o evento. O que estou falando é que, e a mídia sequer está falando sobre isso, é que não é normal, por exemplo, um policial ser baleado e haver passeatas, cervejas nomeadas em homenagem a ele, maratonas de 10km, camisetas e por aí vai. (...) Ele nem era um policial, era um guarda universitário, ele nem estava envolvido no atentado em si. (...) De fato, a história de sua morte é confusa, sequer temos a certeza que foram os irmãos Tsarnaev que o mataram, o vídeo mostra apenas 'vultos com capuzes'. E depois, o Vice-Presidente Biden viajou [para Boston], houve uma grande passeata... É tudo meio estranho... E se você olhar para os regimes ao longo da história, quando eles fazem uma coisa assim é porque há algum interesse nisso, qual é, eu não sei."

The Intercept: "A Demissão Covarde de um Jornalista da TV Estatal Australiana Destaca a Verdadeira Religião do Ocidente"

Nesta boa matéria de Glenn Greenwald, ele chama atenção para o caso de Scott McIntyre, que foi demitido após questionar, no Twitter, o "patriotismo" de um feriado nacional australiano, em que todo o país estava elogiando seus militares, sem pensar no que, por exemplo, eles também fizeram onde lutaram: estupraram e executaram sumariamente. Imediatamente, o ministro Turnbull disse que os comentários de McIntyre eram "ofensivos, inapropriados e desprezíveis". Esse ministro é responsável pelo ministério que dá 80% dos fundos da rede SBS, que empregava McIntyre. Pouco tempo depois, a rede tuítou que "apóia os militares e dedicou enormes recursos para a cobertura destas comemorações", e o jornalista foi sumariamente demitido. Greenwald conlcui: "A grande, grande maioria do discurso política sobre política externa - especialmente dos comentadores midiáticos dos EUA e da Grã-Bretanha - consiste em pouco mais que variadas declarações de superioridade tribal: nós somos melhores e assim nossa violência é justificada. (...) É por isso que Scott McIntyre foi demitido: porque ele questionou e disputou a mais sagrada doutrina da religião Ocidental."

The Intercept: "Emails Revelam Relacionamento Próximo Entre Grupo de Psicologia e a CIA"

Nesta matéria a jornalista Cora Currier explora os emails revelados recentemente, da correspondência entre psicólogos da CIA e executivos da American Psychology Association. A APA fez uma emenda em seu código de ética em 2002 e assim seus membros puderam observar sessões de tortura. Essa emenda foi retirada em 2010. A APA também deu conselhos para a administração Bush sobre como reagir ao escândalo de tortura em Abu Ghraib. A Associação nega basicamente tudo. Segundo o livro The Search for the Manchurian Candidate, de John D. Marks, que investiga os projetos de "controle da mente" da CIA revelados nos anos 70, a APA tem um relacionamento com a CIA desde os anos 50. Este especial da ABC de 1979 sobre esses mesmos projetos de controle da mente, feito em colaboração com John D. Marks, entrevista diversos ex-membros da APA, que na verdade falam bem tranquilamente do seu papel nessas experiências. Infelizmente esse contexto não é dado na matéria de Cora Currier...
 
WhoWhatWhy: "Ironia das Ironias: Ordenaram que Investigadores que Identificaram Enormes Desperdícios no Afeganistão Façam Cortes de Pessoal"

A matéria começa com a seguinte frase: "Que tal essa injustiça poética? Os investigadores que descobriram que metade dos fundos investidos no Afeganistão desapareceram ou foram desperdiçados... foram ordenados a cortar seu quadro de funcionários." O SIGAR (veja o primeiro link do post anterior) passou de 42 para 25 funcionários. Isso é tão típico. O governo estabelece uma equipe para investigar corrupção, e anuncia a "transparência" aos quatro ventos; a equipe invariavelmente descobre algo, e é prontamente ignorada.

25/05/2015

Manchetes do Mês Passado - II

Olá, leitores.

Segue mais algumas notícias do mês passado... Aos poucos vamos chegar nos dias de hoje :).

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28 de abril de 2015

WhoWhatWhy*: "Quem Quer Ser um Milionário? Edição da Reconstrução do Afeganistão"

Esta matéria comenta um relatório do SIGAR, que é o escritório responsável por fiscalizar as obras de reconstrução no Afeganistão, e que já revelou bilhões de dólares em desvios e mau uso do dinheiro público. Esse relatório é sobre a construção cancelada de um abatedouro, que foi mal planejado e não atenderia às necessidades da população local. A empresa contratada para construir recebeu 1,5 milhões de dólares para construir "parte de uma parede, um poço d'água e uma coluna para uma guarita". Essa empresa está pedindo um adicional de 4,3 milhões de dólares pelo trabalho já realizado. O assunto da reconstrução do Afeganistão (e Iraque) será alvo de outros posts...


Um estudo do Brookings Institute "prova" que "dor, preocupação, tristeza e raiva" estão mais presentes entre os mais pobres que os mais ricos.


29 de abril de 2015


Zero Hedge: "Os Mercados Financeiros Controlam Tudo Agora"

Um post do blogger Charles Hugh-Smithque denuncia constantemente o absurdo que foi a reação dos governos à crise de 2008. Nessa crise, diversos bancos gigantes ficaram à beira da falência e foram salvos por medidas "extraordinárias" que se tornaram normais (e que custaram bilhões aos cidadãos). Destaquei esse post por conta da analogia que ele fez: em Yellowstone, a famosa reserva florestal dos EUA, a floresta acumula galhos e folhas mortas que eventualmente pegam fogo, num processo natural. No entanto, os guardas começaram a apagar o fogo muito cedo, o que causou um acúmulo dessa matéria morta e seca na floresta. Um dia, é claro, um incêndio fugiu do controle por conta do nível anormal de matéria seca. A analogia é que o sistema financeiro também cria "matéria morta", ou seja, bancos que estão podres, falidos, e que devem sair do sistema. No entanto, o enorme poder político dos bancos gigantes fez com que eles se salvassem, porém as partes podres continuam no sistema. Isso vai resultar numa catástrofe incontrolável no futuro, como foi o incêndio em Yellowstone em 1988.

The Intercept: "O Caminho de Tamerlan Tsarnaev para o Extremismo Marcado por Contatos com o FBI"


O julgamento de Dzhokhar Tsarnaev, acusado do atentado na Maratona de Boston de 2013, que começou em março deste ano, gerou diversas matérias (ele foi condenado à morte em 15 de maio). Nesta, é apontado que o irmão de Dzhokhar, Tamerlan, que morreu na perseguição que se seguiu ao atentado, teve diversos contatos com o FBI, incluindo entrevistas e possivelmente um trabalho como informante. É uma das facetas intrigantes do caso. Quando o atentado aconteceu, eu fiquei a semana inteira (do atentado até a prisão dos suspeitos) grudado na CNN e nos sites e fóruns alternativos. Posso dizer que esse atentado, como inúmeros outros, tem uma história mais complexa do que o noticiado, e que envolve agências como o FBI e a CIA. Vai ser assunto de um post também...

Washington's Blog: "Os EUA Vaporizaram as Ilhas Marshall e Fizeram Experimentos Humanos em Seus Nativos"

Neste post, o Washington's Blog chama atenção para um novo documentário "Nuclear Savage", que investiga um projeto secreto de teste de radiação em seres humanos que se passou com os habitantes das Ilhas Marshall entre 1946 e 1958. O trailer chama atenção para o modo como os habitantes das ilhas foram descritos para a audiência estadunidense em 1957: "selvagens".

Viomundo: "Paulo Pimenta: 'Curiosamente, a Zelotes Não é Notícia"

A Operação Zelotes descobriu um esquema multibilionário de sonegação de impostos e pagamento de propinas - os valores são maiores que o da Lava Jato, muito maiores que o do Mensalão - e, no entanto, a cobertura da mídia é totalmente desproporcional. Por que? Bem, não há muitos petistas envolvidos na Zelotes, mas lá estão bancos, a Globo, etc...

Viomundo: "Fátima Oliveira: A carnificina (ou seria genocídio?) de jovens negros no Brasil"

Nesta nota, Fátima Oliveira chama atenção para os resultados da CPI da Violência contra Jovens Negros e Pobres, que, sendo liderada por um petista e tocando num assunto muito espinhoso, também não recebeu cobertura da mídia. Os dados chocam. A impunidade dos agentes policiais sempre foi conhecida, mas essa CPI deu uma informação mais precisa: em apenas 5% das chacinas se estabelece um inquérito.

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*: WhoWhatWhy é um site de mídia alternativa fundado por Russ Baker. Ele foi um jornalista mainstream que, quando pesquisou a vida de George W. Bush para um livro, mudou totalmente de opinião sobre o que era coberto pela mídia, e sobre a própria história dos EUA. O título do livro acabou ficando como "Família de Segredos: A Dinastia Bush, O Governo Invísivel da América e a História Oculta dos Últimos Cinquenta Anos" (Family of Secrets: The Bush Dynasty, America's Invisible Government, and the Hidden History of the Last Fifty Years). É excelente, quando terminar de ler também vai ser assunto de um post.

24/05/2015

Manchetes do Mês Passado - I

Olá, povo.

Vou começar uma nova sequência no blog, um apanhado das notícias que tenho lido, com um pequeno resumo/contexto. Eu utilizo o aplicativo RSSDemon no celular, que junta diversos sites num lugar só - como se fosse um jornal personalizado, e seleciono algumas notícias para estes posts. Então, segue uma lista com as últimas notícias que me chamaram a atenção. Neste começo vou postar as minhas favoritas mais antigas, que acumularam, mas daqui a um tempo serão notícias mais atuais.

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17 de abril de 2015


Uma matéria curta, mostrando um vídeo da companhia Unicor, que gerencia mão de obra em prisões, que emprega prisioneiros em call centers por um salário que pode chegar à 23 centavos por hora (o salário mínimo dos EUA é de aproximadamente 7 dólares por hora). "Todos os benefícios da terceirização offshore dentro dos EUA!"


Matéria do jornalista Jeremy Scahill, autor de um livro que virou documentário, Dirty Wars, em conjunto com a revista alemã Der Spiegel. Foi baseada em uma apresentação Top Secret (fornecida por uma fonte ainda desconhecida), sobre a centralidade da base alemã em Ramstein para o programa de drones dos EUA. A conexão Ramstein-drones sempre foi negada tanto pelos alemães quanto pelos americanos.

24 de abril de 2015

The Intercept*: "A Ferramenta Chave da Propaganda da Guerra ao Terror: Apenas Vítimas Ocidentais São Reconhecidas"

Matéria do excelente Glenn Greenwald, uma das pessoas que Edward Snowden entrou em contato para vazar seus documentos em 2013. Recentemente, o Presidente Obama pediu desculpas por um ataque de drone que matou dois reféns acidentalmente. O que Greenwald aponta é que os EUA tem um histórico recente e brutal de matar mulheres, crianças e homens inocentes com drones, inclusive com diversos ataques a casamentos e até a equipes de resgate e funerais. Além disso, ele aponta que os EUA consideram todos os homens entre 18 e aproximadamente 50 anos que estão na área atingida pelos mísseis como "combatentes inimigos", a não ser que, postumamente, se prove que eles não eram militantes (veja esta matéria do New York Times). Segundo Greenwald, "essa mentalidade é o ápice da desumanização".

26 de abril de 2015

Zero Hedge: "A Não-Pax Americana: Onde se Pode Encontrar Forças Especiais Americanas ao Redor do Globo"

Do Wall Street Journal: "Ao longo do ano passado, forças especiais foram para 81 países, a maior parte das vezes para treinar os locais para que forças americanas não precisem lutar". Segundo o jornalista Nick Turse, que se dedica a acompanhar de perto as forças especiais, o oficial de relações públicas do Special Operations Command (SOCOM) declarou um total de países ainda maior: 133 para o ano fiscal de 2014. Ainda segundo Turse, isso resultou num total de 150 países ao longo dos últimos 3 anos.

Zero Hedge: "Banco Central de Boston Admite que Não Há Saída, Sugere que Compra de Ativos (QE) Se Torne Política Monetária Normal"

A unidade de Boston do Banco Central dos EUA, num novo paperdiscutiu a possibilidade do programa de compra de ativos (Quantitative Easing) se transforme de opção "extraordinária" de política monetária para uma ferramenta normal de política monetária. É claro, essa política tem feito maravilhas para 1% dos estadunidenses (NYTimes, Washington Post), enquanto a participação da população na força de trabalho está em níveis baixos recordes (mais de 93 milhões de adultos não estão trabalhando, nem procurando trabalho)...

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*: Os blogs "Unofficial Sources" e "The Intercept" fazem parte da First Look Mediaum conglomerado de mídia alternativa financiado pelo bilionário dono do PayPal e do eBay, Pierre Omidyar. Este conglomerado foi fundado em parceria com Glenn Greenwald e outros, e sua primeira matéria foi sobre os documentos de Edward Snowden. Alguns criticaram Greenwald, dizendo que ele "vendeu" os documentos para um bilionário com laços com a Casa Branca. Eu acho que sim, houve uma cooptação e algumas revelações ainda mais explosivas podem ter sido censuradas. Porém, o time de jornalistas é de alta qualidade e as matérias são bem diferentes do que está na mídia convencional e em boa parte da mídia alternativa.

03/05/2015

Comentário: livro "Quando o Google encontrou o Wikileaks", de Julian Assange


Olá, hoje alguns comentários do novo livro do Julian Assange, Quando o Google Encontrou o WikiLeaks.

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    Devo começar dizendo que sou fã do Julian Assange.

    O livro foi publicado pela Boitempo, que vem publicando livros sobre o Wikileaks/Julian Assange há um tempo. Li o outro livro dele, Cypherpunks, também publicado pela Boitempo, que é uma conversação entre ele e três outros hackers, sobre os mais diversos assuntos.  Também devo dizer que acho que o hacker é um ativista essencial. O hacker pode ter acesso à segredos; pode causar imenso desconforto para grandes corporações; pode incomodar governos. Além disso, o hacker é simplesmente um explorador. Não está interessado em destruir, roubar, "derrubar sistemas" ou o que normalmente é atribuído à ele. É simplesmente um curioso, um explorador, um desbravador, inovador, que usa a tecnologia a seu favor.

    Não vou fazer um grande apanhado de quem é Julian Assange e porque sou fã dele. Talvez num post futuro. Para este texto, só preciso dizer que Assange é um ativista incansável, focado, criativo, inovador - enfim, extraordinário. E também escreve bem, o que ajuda bastante. Bom, vamos ao livro.

    O livro é resultado de uma conversa entre:
   Resumidamente, Assange foi contatado por Schmidt e Cohen para ter uma conversa. Cohen e Schmidt iam escrever um livro e estavam fazendo entrevistas com diversos visionários do mundo da tecnologia, queriam que Assange participasse, e ele topou. A conversa se passou em Norfolk, Inglaterra, em 2011, quando Assange estava sob prisão domiciliar.

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    O primeiro capítulo de Quando o Google... é a descrição de Assange para o contexto desse convite, que foi feito em 2011. O que ele descreve é o que ele descobriu após ter feito a entrevista. Ele descobriu que seus 4 interlocutores estavam ligados ao Departamento de Estado e ao establishment estadunidense, e deduziu que um dos objetivos da entrevista, portanto, era descobrir informações sobre o Wikileaks para ajudar o governo a controlá-lo. Esse capítulo é especialmente bom; são 20 páginas escritas, e 11 páginas de notas e fontes. Além de falar do caso da entrevista, Assange também revela uma aguçada visão da política externa dos EUA e de relações internacionais em geral, e como ela está atrelada, muito mais que imaginam, às empresas de tecnologia e mídia social. Do livro (pág. 35):
Comecei a ver Schmidt como um brilhante bilionário californiano da área de tecnologia, mas politicamente inapto, que era explorado pelo mesmo pessoal da política externa dos Estados Unidos que ele procurou para servir de intérprete entre o Google e o governo em Washngton - um exemplo do problema do principal agente entre a Costa Oeste [onde estão as empresas de tecnologia] e a Costa Leste [onde está Washington, D.C.] dos Estados Unidos.
Eu estava errado. (...)
Em 2008, Schmidt assumiu a presidência do conselho administrativo [da New America Foundation, um think tank de Washington]. (...)
O envolvimento de Schmidt com a New America Foundation o coloca firmemente no centro do establishment de Washington. Outros membros do conselho administrativo da fundação - dos quais sete também são membros do Council on Foreign Relations - são Francis Fukuyama, um dos mentores do movimento neoconservador; Rita Hauser, que serviu no Conselho Consultivo de Inteligência da Presidência, tanto no governo de Bush quanto no de Obama; Jonathan Soros, filho de George Soros; Walter Russell Mead, estrategista de segurança e editor da American Interest; Gelene Gayle, que faz parte do conselho administrativo da Coca-Cola e da Colgate-Palmolive, da Fundação Rockefeller, (...) e Daniel Yergin, geoestrategista da indústria petrolífera (...). 

    O que Assange fez nesses parágrafos foi uma análise de rede. Ele demonstrou que Schmidt, longe de estar ligado com algum tipo de vanguarda inovadora quando o assunto é política, está "firmemente no centro do establishment de Washington", que, no caso do último século, gira em torno do Council on Foreign Relations. Esse think tank vai ser assunto de um post à parte, mas por enquanto, vale dizer que os Presidentes Herbert Hoover, Richard Nixon, Gerald Ford, Jimmy Carter, George Bush (pai) e Bill Clinton já passaram por lá (assim como inúmeros membros de seus gabinetes - Secretários de Defesa, de Estado, Chefes de Gabinete, etc.).
    Ou seja, Schmidt, ao invés de se rebelar - como seria esperado de um filho do Silicon Valley - foi atrás daqueles centros de poder que sempre foram a ponta de lança do imperialismo estadunidense. E Assange, ingenuamente, tinha achado que esse não era o caso.
    Essa introdução é matadora. Assange é muito honesto ao demonstrar sua própria ingenuidade, mesmo estando no "olho do furacão" de uma enorme controvérsia internacional. Ele sabia do papel revolucionário que o Wikileaks tinha, principalmente no que diz respeito à seu confronto com os estados nacionais, ditatoriais ou não, que buscavam gerir a informação de maneira censitária. Ao mesmo tempo, não tentou imaginar que tal convite de Schmidt e Cohen poderia ter segundas intenções. Isso fica ainda mais claro durante a parte principal do livro, que é o diálogo entre eles.

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    No começo do diálogo propriamente dito, me pareceu que Julian Assange tentou impressionar Schmidt. Rapidamente, revelou aos seus interlocutores detalhes técnicos da operação Wikileaks - e por consequência, para o Departamento de Estado, e também para sabe-se lá qual outra agência. Isso talvez não sido um grande problema, já que o WikiLeaks continuou funcionando, porém seus vazamentos parecem ter diminuído em impacto após 2011.
    Bom, deixando de lado um pouco a trama de espionagem que permeia o livro, há discussões ótimas entre Assange e os demais. Eles, é claro, estão plugados no que há de mais moderno em tecnologia da informação, então é um livro muito útil para conhecer novas tecnologias - eles conversam sobre Torrent, Bitcoin, jornalismo online, criptografia. Uma discussão que achei bastante relevante para o blog foi sobre o que Assange chamou de "jornalismo científico" (pág. 92):

Julian Assange: (...) A situação da grande imprensa, hoje, é tão terrível que eu não acho que ela tenha conserto. Não acho que ela seja possível. Acho que ela tem de ser eliminada e substituída por uma coisa melhor.
Scott Malcomson: E parece que isso está acontecendo!
JA: É. E eu defendo a ideia de um jornalismo científico - as coisas devem ser citadas com precisão, com a fonte original, e o maior número possível de informações deve ser de domínio público, para ficar disponível para as pessoas, da mesma forma como acontece na ciência, para você poder testar e ver se os dados experimentais de fato levam àquela conclusão. Caso contrário, provavelmente o jornalista só inventou a notícia. Na verdade, é isso que acontece: as pessoas simplesmente inventam as coisas. Inventam a ponto de a gente entrar em guerra. A maioria das guerras dos século XX começou como mentiras amplificadas e espalhadas pela grande imprensa. Você pode dizer: "Bom, isso é terrível; é terrível que todas essas guerras comecem com mentiras". E eu digo que não, que isso é uma oportunidade tremenda, porque significa que as populações não gostam de guerra e só entraram nela porque foram enganadas, porque mentiram para elas. E isso significa que, se souberem a verdade, elas podem fazer a paz. Isso é motivo de grande esperança [grifo meu]. (...)
O que eu gostaria de ver no jornalismo era a introdução da reputação, como acontece na ciência, que pergunta: "Onde estão os dados que comprovam essa sua alegação?". Se você não apresenta seus dados, por que diabos eu deveria levar isso a sério? Agora que podemos publicar na Internet, agora que temos espaço físico para todos os dados, eles devem ser apresentados. Os jornais não têm espaço físico para a fonte primária; agora que temos espaço para a fonte primária, deveríamos criar uma norma para incluir esses dados. As pessoas podem se desviar dessa norma, mas, se elas se desviarem e não se derem ao trabalho de apresentar os dados da fonte primário, por que deveríamos prestar atenção no que elas escrevem? Elas não estão tratando o leitor com respeito.
    Recentemente estava discutindo com colegas sobre a difícil pergunta de "o que fazer?" frente ao estado de vigilância e a esse sentimento generalizado de impotência frente à grande imprensa, à política, às corporações, enfim, ao "sistema" em geral. E um dos pontos de vista que eu sempre tomo é esse que Assange descreveu. Da minha posição, o que eu posso fazer é dar informações e dar fontes. O que cada um vai tirar dessas informações e dessas fontes fica a cargo do indivíduo. É o oposto de uma mídia que está defendendo um interesse específico. Essa mídia não pode dar fontes originais, ela só pode citar parcialmente o que interessa a ela. Ela não pode deixar um entrevistado falar livremente; tem que editar para omitir o que o entrevistado falou que não a agradou. Em geral, essa mídia está atrás de audiência, então ela vende um produto "pronto", uma informação que não precisa ser digerida - você lê ou ouve, e sai repetindo exatamente o que leu ou ouviu.
    É claro que neste blog, eu passo as informações que me interessam. Eu já tenho minhas teorias e minhas conclusões sobre os diversos assuntos que escrevo, mas procuro transmitir as informações como eu as recebi: de início, como informações "cruas", que eu tive que interpretar e conectar por meio dos meus estudos. Por isso estou fazendo tantos posts "genéricos", simplesmente expondo questões estruturais que ajudam a entender o contexto atual em geral. Nesse sentido busco "tratar o leitor com respeito", ou seja, citar extensivamente de onde tirei as informações e deixar aberto o canal para ser questionado com relação à elas (qualquer um pode comentar no blog anonimamente!).
    Sobre o livro, não tenho muito mais a dizer; só que recomendo sua leitura, que é muito pertinente para o momento em que vivemos.

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    Para o próximo post, vou escrever sobre a NSA (National Security Agency). Estou terminando de ler The Puzzle Palace: A Report on America's Most Secret Agency (O Palácio do Quebra-Cabeça: Um Relatório sobre a Agência Mais Secreta da América, sem tradução em português), que é o primeiro livro exclusivamente sobre a NSA. Saiu em 1982, quase 30 anos após a criação da agência. O autor, James Bamford, é considerado um dos maiores experts sobre a NSA. Por isso, vou introduzir o assunto NSA com um comentário sobre esse livro...

    Até!

09/04/2015

O Pentágono - Parte 1

Olá, leitores.

Passamos da marca de 3.000 visualizações!

Vou dar continuidade ao quebra-cabeças do imperialismo estadunidense. Este post não está bem acabado; mas é difícil introduzir um assunto tão vasto...

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    Hoje vou falar do lado propriamente militar do aparato de segurança nacional dos EUA. Como disse no artigo sobre a CIA, o National Security Act de 1947 reorganizou também os ramos do então Departamento de Guerra. Eles se reuniram sob o National Military Establishment, que se tornou o Departamento de Defesa atual. Além disso, foi criado o Joint Chiefs of Staff, uma unidade que reúne apenas os líderes dos ramos militares. O atual chairman, o homem que preside as reuniões do JCS, é Martin Dempsey, que combateu na primeira Guerra do Golfo, e depois comandou uma base na Alemanha.
    O Pentágono, o edifício, foi construído em 1943, tendo 600.000 metros quadrados de área construída. Pra se ter uma ideia, um dos maiores projetos de construção de São Paulo, previsto para acabar em 2020, vai ter 595.000 metros quadrados, distribuídos em dez prédios. O Pentágono chegou a ser, por muito tempo, a construção com a maior área de escritórios construída do mundo. O Pentágono também provavelmente é a instituição com o maior orçamento dos últimos cem anos. No ano de 2015, o orçamento previsto é de US$637.000.000.000 (637 bilhões de dólares), e está na casa das centenas de bilhões há décadas.

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    Certo. O Pentágono é gigante! Por onde começar?

    Pra descrevê-lo, vou tomar como base a própria história da organização, que eu vejo como sendo a história da criação de seus Unified Combatant Commands (Comandos de Combate Unificados). Atualmente, são nove, em ordem alfabética:
  1. Africa Command
  2. Central Command
  3. European Command
  4. Northern Command
  5. Pacific Command
  6. Southern Command
  7. Special Operations Command
  8. Strategic Command
  9. Transportation Command
    Há alguns sub-Comandos também, dos quais o que eu vou me demorar é o Cyber Command. Como se pode perceber, os Comandos cobrem 100% do globo, mais o espaço sideral (sob o Strategic Command) e o domínio virtual, sob o Cyber Command. Um mapinha pra facilitar, cortesia da Wikipédia:

http://en.wikipedia.org/wiki/Unified_Combatant_Command#/media/File:Unified_Combatant_Commands_map.png

    Vou usar esse artigo não só pra fazer uma breve história do Pentágono, mas também pra comentar assuntos pertinentes atualmente.

Pacific Command

     O primeiro comando a ser criado foi o Pacific Command, o comando do Oceano Pacífico. Foi criado em janeiro de 1947. Sua base atual é no Havaí. Esse comando, assim como o European Command, o comando da Europa, reflete a fim da Segunda Guerra Mundial. Foi o comando responsável por manter a ocupação do Japão.
    A maior base é em Okinawa. Há uns tempos atrás havia uma polêmica com o novo prefeito , que era contra a presença dos militares, e uma rápida busca no Google me diz que ela não acabou. Nesse mesmo link, também é possível descobrir que "Okinawa abriga mais da metade dos 48 mil soldados que os Estados Unidos mantêm no Japão, e 20% do solo da ilha principal do arquipélago é terreno militar americano". Uma recente visita do Secretário de Defesa dos EUA, Ash Carter, reviveu a controvérsia sobre as bases no território japonês.
    Uma característica dessas bases overseas, além-mar, no estrangeiro, é que elas são jurisdições peculiares, já que são terras em outro país, porém quem controla é o Pentágono. Isso dá certa segurança para que os soldados façam o que bem queiram nesses lugares. Há inúmeros casos de estupro, e segundo O Globo a primeira condenação de um militar americano em solo estrangeiro, por estupro, foi em 2002Esses casos são um assunto espinhoso para o Pentágono, já que quando acontecem, geram repercussão contra as bases. Porém, em geral, não recebem muita publicidade. São dados como "normais", o que é de se esperar já que acontecem há várias décadas.
   O USPACOM também possui bases na Coréia do Sul e em várias ilhas do Pacífico, além de outras cidades no Japão.

European Command

    O European Command também foi criado em 1947. Foi responsável pelas ocupações na Alemanha, na Itália e por manter bases na França ( estas, retiradas por Charles de Gaulle em meados dos anos 60). A pergunta: até hoje? É claro. São dezenas na Alemanha e na Itália, e também há parcerias com Turquia, Noruega, Suécia, Bélgica, Espanha, Portugal, Romênia, Bulgária, Bósnia, Kosovo, Holanda, Polônia e, é claro, o Reino Unido.
   As bases do USEUCOM basicamente formaram uma barreira contra a União Soviética. Só que depois do fim dela, elas foram apenas "desativadas", e não destruídas. Então, nos anos 90, foi das bases na Europa que saíram a operações da Guerra do Golfo e a Guerra do Kosovo.
   Esse é outro aspecto interessante da organização do Pentágono - as "operações". A autoridade constitucional para declarar guerra é do Congresso. Porém, a última vez que tal declaração aconteceu foi durante a Segunda Guerra Mundial. Os engagements (engajamentos) militares posteriores foram um misto de "aprovações" do Congresso após a decisão de iniciar a ação militar foi tomada pelo Presidente, e decisões da ONU que autorizaram os militares americanos a agir.

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    Por enquanto fico nesses dois comandos. Os outros são ainda mais interessantes, prometo :). Mas o assunto do Pentágono é realmente complexo, por isso a demora em fazer um novo texto. O próximo vai ser sobre o livro do Assange que mencionei no post anterior. Depois volto pro "monstro" do Pentágono.

Até!

P.S.: também me utilizei de fonte para este artigo o incrível site www.globalsecurity.org, que recentemente passei a assinar.

22/03/2015

Post rápido

Ae, tô só escrevendo pra dizer que estou lendo o novo livro do Julian Assange, "Quando O Google encontrou o Wikileaks"! É sensacional, uma bomba nuclear de informação...!!

Abraços

21/03/2015

The Central Intelligence Agency - Parte 2 - "Plausible Deniability"

Olá, leitor.

Este post é sobre o conceito de plausible deniability. Como descrevi no post anterior sobre a CIA, todas as suas operações são autorizadas pelo National Security Council, que reúne os líderes do governo dos EUA. Porém, muitas operações passaram a ser clandestinas* e, na realidade, criminosas. Então, como isolar os líderes de possíveis processos judiciais?

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A ideia é simples: construir camadas de defesa. Antes de começar, vale dizer que não estou supondo nenhuma dessas técnicas. Este texto é baseado nas exposições de casos concretos nos livros de Victor Marchetti (ex-analista da CIA), David Wise, e L. Fletcher Prouty, e nos testemunhos de dois ex-agentes da CIA, John Stockwell e Philip Agee (este com um livro publicado no Brasil em 1976, chamado Dentro da Companhia - Diário da CIA), entre outras entrevistas e documentários.

As camadas de defesa

A "cover story". A cover story é literalmente uma "história de cobertura" que explicaria porque uma pessoa qualquer estaria fazendo uma ação qualquer. É utilizada em toda operação clandestina, mas ela aparece publicamente quando uma operação dá errado.
Por exemplo, aqui no Brasil, durante a ditadura, a polícia encontra um indivíduo com explosivos num depósito. Este indivíduo está agindo sob ordens da CIA, mas a polícia não sabe disso. Como fazer para esse caso não chegar nas mãos da CIA? Bem, esse indivíduo teria decorado uma história que diria que ele era membro de uma guerrilha de esquerda qualquer. Caso essa história não desse certo, ele poderia dizer que era de outra. Se isso também falhasse, ele diria que era um louco. Uma cover story mais elaborada envolveria uma organização criada pela CIA, um front, uma proprietary organization com todas as marcas de uma organização de verdade, que seria usada nessa situação como cobertura.
Notem que a cover story é basicamente dirigida à polícia e à mídia. Se a polícia comprar a primeira história, a mídia vai dar a manchete da guerrilha de esquerda, e acabou-se o assunto. Mesmo que a polícia descubra algo mais pra frente, se não virar manchete, a história "deu certo". Além disso, a CIA pode ter influência direta sobre um jornal ou outro, facilitando sua vida nesses casos. Nos EUA, a infiltração da CIA nos jornais ficou conhecida como Operation Mockingbird.

Os cut-outs, os intermediários. Seguindo no exemplo. O indivíduo que foi pego estava agindo sob ordens da CIA. Ou seja, haveria um agente, enviado dos EUA, dentro do Brasil, sob algum disfarce. Esse agente nunca entraria em contato direto com o indivíduo cuidando dos explosivos no depósito. Ele se utilizaria de um intermediário. Assim, esse indivíduo não saberia o nome, nem a fisionomia, nem nada desse agente, o que o isolaria do incidente. Caso alguém fosse nomeado, seria o intermediário. Na Operation Ajax (derrubada de Mossadegh no Irã em 1953 - meu post sobre isso aqui), o agente Kermit Roosevelt usou intermediários para se comunicar com os militares que ajudaram a executar o golpe. Os intermediários tem outra vantagem. Por não serem exatamente contratados pela CIA, a CIA pode alegar que não tem nada a ver com eles, também. Isso foi um dos fatores que blindou a CIA durante o escândalo Irã-Contra.

Os fronts. Os fronts são organizações criadas pela CIA, ou financiadas pela CIA. Podem ser empresas, associações ou até partidos. Normalmente são bem financiadas, profissionais, e não são totalmente "de fachada": exercem funções, tem algum propósito. Assim, atraem membros "legítimos". A CIA, por sua vez, mistura entre seus membros agentes. Esses agentes então tem uma cobertura. Isso é particularmente útil se um agente precisa, por exemplo, de um visto legítimo. É só esse front fornecer os documentos dizendo que o indivíduo vai trabalhar lá, que a maioria dos países vai fornecer um visto.
O livro A CIA e o Culto da Inteligência tem um capítulo inteiro dedicado à esse assunto. No linguajar da CIA, os fronts são proprietary organizations (organizações proprietárias). Uma das mais conhecidas é a Air America, que ajudou nas operações da CIA durante a guerra no Vietnã. Air America é também o nome de um filme, estrelando Mel Gibson e Robert Downey Jr., tratando exatamente sobre o assunto.

Finalmente, há a compartimentalização e o need to know. Esses talvez sejam os mecanismos de fundo, que estão presentes em todas as camadas de defesa e fazem parte de todas as operações secretas. Aqui não estou mais falando necessariamente de operações clandestinas, ou seja, possivelmente ilegais. Mesmo dentro daquelas operações legítimas de inteligência, esses dois mecanismos existem.
A compartimentalização quer dizer o seguinte: nenhum indivíduo saberá tudo sobre uma operação qualquer. As diferentes partes da operação, os aspectos da operação, os pequenos sub-projetos e necessidades de cada operação são feitos por indivíduos diferentes, que podem ou não comunicar-se entre si. Podem até não saber exatamente para que estão fazendo x ou y.
Voltando ao exemplo dos explosivos. Além daquele indivíduo que iria operar o atentado à bomba, haveria outros escolhendo o melhor alvo. Haveria outros, por exemplo, responsáveis por veicular na mídia artigos acusando uma guerrilha de esquerda de fazer o atentado. Haveria outros, responsáveis por pressionar o Congresso e por exigir leis mais duras para condenar os criminosos que cometeram tal crime bárbaro. E cada um desses poderia não saber da existência do outro. Porém, todos teriam ordens e estariam simplesmente aguardando o desencadeamento dos eventos.
A compartimentalização está relacionada com o need to know. O need to know é literalmente "precisar saber". Quer dizer o seguinte: você só vai saber o que você precisa saber. Ou seja, não adianta perguntar sobre outros assuntos, sobre outras operações; o seu superior determina o que você precisa saber. O indivíduo responsável pela pressão ao Congresso pode indagar, por exemplo, se o atentado foi feito pela CIA. E seu superior pode dizer que não, ou que não vai comentar no assunto. A ideia é criar confusão e incerteza, e assim insular os indivíduos envolvidos. O autor L. Fletcher Prouty dedica muito tempo à discutir esses dois pontos, sempre que foi indagado sobre como a CIA mantém seus segredos.

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Juntando tudo isso, qual o resultado?

Suponha que o National Security Council, em reunião, discuta um país que recentemente mudou de governo, e que esse governo é antagonista aos EUA. Os seus membros não vão dizer, abertamente: "matem o líder!". Mas podem dizer algo do tipo: "seria positivo para a segurança nacional dos EUA, que na próxima eleição esse governo não ganhe. Autorizamos a CIA a tomar quaisquer medidas que considere cabíveis para atingir esse objetivo". Com essa autorização em mãos, o diretor da CIA passa a articular seus agentes para atingir o objetivo. Esses agentes, por sua vez, tem autonomia e podem determinar que um atentado à bomba, ou um escândalo de corrupção, ou uma manifestação popular, ou apoio à um partido de oposição, ou todas as anteriores, seriam as melhores soluções. Meses depois, o NSC recebe os relatos de que um evento aconteceu naquele país, que enfraqueceu o governo. Foi a CIA? Para o NSC, não importa, e é melhor que eles não saibam.

Não temos acesso aos documentos que demonstrariam exatamente o encadeamento de autoridades e ordens que vão do NSC até o agente "na rua" - pois não precisamos saber. Ou melhor, não temos acesso à todos os documentos. Mas como estou tentando demonstrar aqui, há farto material para pesquisa, e é possível estabelecer bases sólidas para estudo sem entrar em "teorias da conspiração".

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*: A expansão das funções da CIA sob a seção 102(d)(5) do National Security Act (das "outras funções") se deu principalmente na direção de Allen Dulles (período de 1953-1961). Não vou me estender muito sobre essa figura, mas por enquanto vale dizer que ele era um advogado numa prestigiosa firma de advocacia, a Sullivan & Cromwell.

13/03/2015

The Central Intelligence Agency - Parte 1

Olá leitores.

Hoje, informações sobre a CIA. Nesta primera parte, sua origem. Nas próximas partes, mais facetas dessa organização. Essa série vai ser mais técnica, mas tem que estar aqui pra ficar de referência. Vou me utilizar dos seguintes livros, além da Wikipédia e outros sites:
  • O Governo Invisível, de David Wise e Thomas Ross (1964, publicado em 1968 no Brasil);
  • A CIA e o Culto da Inteligência, de Victor Marchetti e John D. Marks (1974, também publicado em 1974 no Brasil);
  • The Secret Team, do Lt. Col. L. Fletcher Prouty (1973, sem versão em português).

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A CIA foi criada numa lei de 1947, chamado National Security Act (Ato de Segurança Nacional). Foi assinado pelo então Presidente Truman e foi feito para reorganizar toda a máquina de guerra dos EUA, agora em tempo de "paz" no pós-Segunda Guerra Mundial.
Ela criou uma série de novas agências:
  • Fundiu o Departamento de Guerra e o Departamento da Marinha no National Military Establishment, chefiado pelo Secretário de Defesa, um civil. (O NME se tornou o atual Departamento de Defesa).
  • Criou o Joint Chiefs of Staff, uma unidade que reúne todos os chefes dos serviços militares.
  • Criou uma Força Aérea separada do Exército e da Marinha.
  • Criou o National Security Council (NSC - Conselho de Segurança Nacional). Os membros mudaram ao longo do tempo, mas o Presidente, o Secretário de Estado e o Secretário de Defesa sempre foram membros permanentes.
  • Criou a Central Intelligence Agency, a primeira agência de inteligência para tempos de paz que os EUA já teve. Anteriormente, no fim da guerra tais agências eram dissolvidas.
Só pra retomar as estatísticas da máquina de Segurança Nacional, a lei tinha dezessete páginas, originalmente. A versão atual, com emendas, tem 133 páginas...

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Voltando à CIA.

A CIA foi criada com funções específicas, descritas na Seção 102(d) do National Security Act. Mesmo que a agência e a lei tenham se modificado ao longo dos anos, estas funções básicas ainda se mantêm. Vamos por partes.
A primeira função é, como o próprio nome da agência diz, centralizar a análise de inteligência, do lado civil. As outras agências do governo, como o Departamento de Estado, o Departamento de Energia, etc., continuariam coletando informações e disseminando-as internamente. Porém, agora, a CIA teria acesso à essa inteligência e a utilizaria para aconselhar o NSC, nos assuntos que "se relacionam à segurança nacional". Isso já dá uma pista do real caráter da análise da inteligência da CIA. Os diferentes serviços militares (Força Aérea, Exército, Marinha, Fuzileiros Navais e Guarda Nacional) retiveram seus departamentos de inteligência próprios. Ora, já que a coleta para fins militares, de combate, ainda estava dentro dos serviços militares, pra que serviria um serviço de inteligência civil para a "segurança nacional"? Bem, para a "segurança nacional" política e econômica. Mas estou me adiantando...
A segunda função, descrita sucintamente em burocratiquês na Seção 102(d)(4), é  "executar, para o benefício das agências de inteligência existentes, serviços adicionais para o bem comum que o NSC determine que sejam alcançados mais eficientemente de maneira central". Agora, traduzindo do burocratiquês: a CIA, a mando do NSC, poderia criar meios de coleta de inteligência para além dos existentes em outras agências do governo. Traduzindo de novo: espionagem clandestina.

Essas deveriam ser as únicas funções da CIA. Porém, na Seção 102(d)(5), há uma autorização que foi explorada e abusada nas décadas que se seguiram. Lá, se lê: "executar outras funções e deveres relacionados à inteligência relacionada a segurança nacional que o NSC ocasionalmente ordene". Nessas "outras funções e deveres", se encaixou de tudo. Desde operações de propaganda e guerra psicológica, até a criação de unidades paramilitares com aviões, batalhões e armas.
Esse é um ponto que o Coronel L. Fletcher Prouty sempre chama a atenção, tanto em seu livro quanto nas várias entrevistas que fez. Prouty era membro de ligação entre o Joint Chiefs of Staff e a CIA, e esteve em muitas reuniões do NSC ao longo de sua carreira. Ele foi muito crítico dessa expansão da CIA sob a 102(d)(5). Para ele, a CIA deveria se manter com a função de análise e coleta de inteligência, e deixar a parte de operações militares para o Pentágono.

Resumindo: o propósito da CIA, a mando do NSC, seria coletar inteligência de dentro de outras agências do governo e de também de maneira independente, e com isso produzir relatórios e apresentações para o NSC*. Além disso, tinha uma autoridade ampla para executar "outras funções" relacionadas à segurança nacional, sempre que o NSC assim determinasse.

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Bem, viram que eu repeti várias vezes a mesma frase? A mando do NSC!

Por que isso é importante?

A autoridade legal que criou a CIA, e atribuiu à ela suas funções, está numa lei que é domínio público. Foi aprovada pelo Congresso dos EUA. A coleta e análise de inteligência são legais, sob essa lei.

Porém, quando a CIA passou a usar aquela seção 102(d)(5) para construir exércitos e fazer operações clandestinas, ela passou a borrar as fronteiras entre civil e militar, entre observação e ação, entre espionagem e guerra, ela passou a operar numa "zona cinzenta" jurídica. Por exemplo, quando a CIA atuou no Irã em 1953, ela tinha que obedecer as leis iranianas? As dos EUA? E quando foi ordenada a derrubada de Mossadegh? Isso foi contra a lei nos EUA? Do Irã? Quem autorizou a derrubada, cometeu um crime? E, na verdade, quem exatamente autorizou a derrubada? A ação foi um ato de guerra?

Bem, como está explícito na lei, todas as funções da CIA são autorizadas pelo NSC. Ora, se é a mando do NSC, então o NSC poderia ser responsabilizado por qualquer ação da CIA, e assim ser processado e seus membros, julgados.

Como resolver isso?

A resposta vem sob o conceito jurídico de "plausible deniability" - "negabilidade plausível". Vou dar um exemplo. Uma agência de um certo banco se envolve com lavagem de dinheiro. O banco diz que esse esquema era desconhecido de sua gerência, e se safa com isso. Mesmo sendo óbvio que é impossível a gerência não notar movimentações substanciais de dinheiro vivo ocorrendo sob seus narizes, juridicamente os advogados do banco argumentam que como não há provas do envolvimento direto e não há flagrante de seus gerentes com o esquema, eles não estão envolvidos. É a mesma coisa pra CIA. Sob esse conceito, se criaram mecanismos para que, caso fosse descoberta alguma operação da CIA, os oficiais do NSC - especificamente, o Presidente, Secretário de Estado, Secretário de Defesa, etc. - poderiam negar que sabiam de sua existência! Como fariam isso, se são eles que autorizam?

Há várias razões. Esse post vai ficar muito grande e denso se eu entrar nessa discussão. Vou ficar por aqui, e já volto com um post específico sobre isso, pois é muito importante para entender como a CIA consegue agir em tantos lugares, e no entanto ser tão pouco noticiada. Até!

*: O filme A Soma de Todos os Medos (2002), baseado num romance de Tom Clancy, tem uma cena importante em que o herói, o analista da CIA Jack Ryan, faz um desses briefings para o NSC. Aliás, filme recomendadíssimo...

11/03/2015

Golpe de Estado x "Revolução Popular"


Hoje vou tratar do golpe de estado no Irã em 1953.

Muito do que vou descrever foi extraído deste e deste links. Neles, há documentos originais desclassificados pelo governo dos EUA descrevendo seu papel no golpe. Também vou tomar de referência as páginas da Wikipédia relacionadas ao assunto.

Em 1951, Mohammed Mossadegh foi eleito Primeiro Ministro do Irã. O Irã era uma monarquia (o soberano se chamava Xá Mohammed Reza Pahlavi), porém havia eleições para o Parlamento, que apontava o Primeiro Ministro. Mossadegh foi eleito pelo Parlamento por 79 votos a favor e 12 contra. Era um político carismático, firme e popular. Dentro de sua plataforma política, estava a nacionalização de uma petrolífera britânica, a Anglo-Iranian Oil Company, que explorava o petróleo iraniano e não partilhava seus lucros. (A AIOC hoje é a BP - British Petroleum). A nacionalização não seria um confisco dos bens da empresa; o lucro dos anos seguintes seria utilizado para pagar uma compensação.

Mohammed Mossadegh


Em 1º de Maio de 1951, Mossadegh foi adiante com sua promessa e nacionalizou a AIOC. Porém, uma série de processos judiciais, um bloqueio marítimo e a falta de pessoal técnico fez com que a produção de petróleo despencasse. Sendo assim, os possíveis benefícios da nacionalização não puderam ser sentidos. É claro, quem estava perdendo muito dinheiro era a AIOC, praticamente uma estatal britânica.

Simultaneamente à isso, a CIA e o MI6 (o serviço de espionagem britânico) começavam a planejar a remoção de Mossadegh do poder. Em abril de 1953, o então diretor da CIA Allen Dulles (que ainda vai aparecer muito neste blog) ordenou que 1 milhão de dólares fossem usados pela estação da CIA em Tehran "de qualquer forma que resultasse na queda de Mossadegh" (p. 3). Quem elaborou o plano para a derrubada de Mossadegh foi Donald N. Wilber, um agente da CIA no Irã que se passava por arquiteto. Outro agente da CIA, Kermit Roosevelt, sobrinho do falecido Presidente Franklin D. Roosevelt, ficou encarregado de executar o plano, cujo codinome foi TPAJAX.

Para isso, militares e parlamentares foram subornados; líderes religiosos foram pressionados; manifestações violentas foram organizadas; a mídia Ocidental foi manipulada para mostrar tudo como uma revolução espontânea, resultado da "impopularidade" de Mossadegh; material de propaganda foi produzido pela CIA para convencer os iranianos da remoção de Mossadegh; e, principalmente, o Xá foi pressionado a remover Mossadegh de seu cargo. A CIA teve que "assegurar [o Xá] que os EUA e o Reino Unido iriam apoiá-lo firmemente e que os ambos haviam decidido que Mossadegh deveria sair" (1º parágrafo).

A culminação do golpe foram as movimentações de 19 de agosto de 1953. Nesse dia, os golpistas organizaram uma manifestação "comunista" violenta, que destruiu e saqueou lojas. Em resposta, um grupo também organizado pelos golpistas fez uma manifestação pró-Xá, que por sua vez mobilizou os cidadãos de Teerã. Assim, o General Zahedi, que havia sido nomeado Primeiro Ministro pelo Xá como parte do movimento golpista, tomou as ruas com o exército e cercou a casa de Mossadegh. No fim do dia, ele estava com o controle do governo. Então, o Xá, que estava refugiado na Itália, voou de volta para Teerã, acompanhado de Allen Dulles.

Depois do sucesso do golpe, o Xá virou a marionete à frente do governo iraniano. Uma brutal polícia secreta, a SAVAK, foi criada com o auxílio da CIA e torturava e prendia opositores do regime, além de exercer censura. A AIOC, é claro, voltou a dar alegria ao governo Britânico e seus aliados, explorando as vastas reservas de petróleo iranianas até a revolução de 1979, que derrubou o Xá.

A história secreta desse golpe de estado, escrita dentro da CIA, apareceu pela primeira vez apenas em 2000, ou seja, 47 anos depois, numa matéria do New York Times, apesar de outros documentos já serem conhecidos (essa história é o primeiro link, lá em cima). Mesmo assim, foi um vazamento que resultou nessa revelação. A CIA, o governo estadunidense e o governo britânico ainda se recusam a divulgar milhares de páginas de documentos sobre o golpe.

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O ponto aqui não é fazer uma grande revelação. O papel dos EUA nesse golpe, e em outros, é conhecido há décadas. O meu objetivo aqui é dizer que:

Primeiro, esse foi um golpe de estado bem sucedido, executado sob ordens do alto escalão do governo dos EUA. A reação veio apenas 26 anos depois, na revolução de 1979 que instaurou o regime atual do Irã. Vale notar que o filme Argo, lançado em 2013, retrata a CIA como grande heroína ao resgatar seus agentes da embaixada, durante a revolução de 1979. Ignora totalmente a história.

Segundo, ao contrário do golpe de 1964 no Brasil, em que a participação dos EUA é dada como nota de rodapé pela maioria dos historiadores, e que "todo mundo" sabe que os EUA participaram, mas não expressam revolta por conta disso, no Irã o ressentimento é muito maior. Todos sabem, em detalhes, como foi feito o golpe. Os EUA criaram e sustentaram um regime brutal por quase 30 anos.

Terceiro, esse não foi o único golpe feito dessa maneira. O molde desse golpe foi repetido em diversos países; inclusive em seus motivos. No ano seguinte, houve um golpe na Guatemala, consequência de um governo que quis nacionalizar as terras da United Fruit Company, produtora de bananas. Outros se seguiram.

Quarto, os documentos que provam a conspiração criminosa de alto escalão para influenciar um governo estrangeiro foram ocultados por décadas. Não é que a conspiração foi algo na surdina, feita à revelia do governo dos EUA e da Grã-Bretanha; ela foi discutida, debatida e decidida dentro de suas instituições.

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Dito isso sobre o Irã...

Dada a importância geopolítica na Ucrânia, será possível que não houve nem uma operação clandestina (da CIA, ou de outras agências) no meio do tumulto que começou a atual "guerra civil" no país? Será que nenhum dos membros do novo governo não recebeu uma comunicação como a que o Xá recebeu, de que "os EUA iria apoiá-lo firmemente" caso aderisse ao movimento golpista? Hmm...

03/03/2015

Impressões sobre a Crise da Ucrânia

Olá leitor,

Vou aproveitar o gancho do último post para falar um pouco da Ucrânia... Sem me estender muito.

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A Ucrânia, por diversas razões, é considerada uma "área de influência" da Rússia. Há relações étnicas, políticas, econômicas e militares entre os dois países. A Ucrânia também é um país chave no abastecimento de gás natural da Europa Ocidental. A Ucrânia sempre foi cortejada pela OTAN, porém um acordo nunca se concretizou por conta da influência russa. Na Península da Criméia, na cidade portuária de Sevastopol, que dá acesso ao Mar Negro, há uma base da Marinha russa.
Em 2010, Viktor Yanukovych foi eleito presidente da Ucrânia com uma forte votação na região leste (mais próxima da Rússia). Segundo a Wikipédia Yanukovych visualizava uma conciliação entre Ucrânia, União Européia e Rússia. Porém, em 2014, rejeitou um acordo político e econômico com a UE em favor de um acordo com a União Aduaneira do Cazaquistão, Bielorússia e Rússia. A rejeição formal do acordo com a EU e a ratificação do acordo com a Rússia iniciou os protestos em Kiev.
Foram muitos acontecimentos em rápida sucessão, e até hoje há uma guerra em curso. Vou listar algumas coisas que me chamaram a atenção:

Primeiro, a organização do protesto. Rapidamente, os locais que eram ocupados viravam verdadeiras fortalezas, contando com uma guarda paramilitar, suprimentos, etc. Isso me parece algo somente possível com meses de planejamento, boas linhas de financiamento e um grande contingente de "soldados" para levar à cabo essa missão. Numa época de vigilância total, isso é algo que requer uma organização muito profissional para não ser descoberto. Mais estranho ainda, o exército foi formado por diversos grupos que se aglutinaram sob a bandeira do Right Sector (Setor de Direita). São grupos de orientações políticas conservadoras e nacionalistas, na maioria jovens, membros de gangues. Quem unificou essas pessoas? Que motivação tiveram para se unir e lutar? Além disso, há um silêncio ensurdecedor por parte da mídia sobre o fato dessa organização ter sido essencial para a revolução. Só muito depois de ter sido concretizada a "transição" de governo que começaram a aparecer matéria sobre o Right Sector, normalmente caracterizados simplesmente como "patriotas" (linguagem utilizada na CNN e na Globo, por exemplo).

Segundo, a reação dos EUA. Total apoio ao "povo ucraniano", disse Obama (apesar da população do leste ser veementemente contra os protestos em Kiev). A Casa Branca e o Departamento de Estado condenavam em uníssono qualquer ação violenta por parte do governo para cessar os protestos. E quando qualquer violência acontecia, a culpa era sempre do governo de Yanukovych. Isso foi bastante ecoado pela imprensa brasileira. Além disso, os discursos sobre a soberania do povo ucraniano contrastam com a conversa vazada entre a Assistente do Secretário de Estado Victoria Nuland e o Embaixador dos EUA na Ucrânia Geoffrey Pyatt, assunto do meu último post, em que os dois membros do governo dos EUA discutiam em minúcias quem apoiariam no novo governo - sendo que Yanukovych sequer havia saído do poder.

Terceiro, a controvérsia sobre um dos eventos catalisadores da revolução, a "Quinta-Feira Negra", 20 de fevereiro de 2014. Dezenas de policiais e manifestantes foram mortos à tiros, e um lado acusou o outro de ter usado snipers para matar. Num (outro) vazamento de telefonema entre diplomatas (da UE e da Estônia) se ouve que "há um entendimento cada vez mais forte que quem estava por trás dos snipers é da coalizão de oposição". Os EUA, é claro, culparam Yanukovych.

Quarto, a controvérsia sobre a queda do avião MH17 em 17 de julho de 2014. Tanto a Rússia quanto os EUA dizem ter imagens de satélite que determinam a autoria do(s) disparo(s) que derrubaram o avião, porém nenhuma imagem foi publicada. Apesar de não haver nenhuma investigação conclusiva - a investigação oficial só deve sair este ano - o evento serviu de justificativa para diversas sanções econômicas contra a Rússia, por parte dos EUA e da UE. Os noticiários do mundo mostraram Putin como o grande culpado.

Quinto, o filho do Vice-Presidente dos EUA foi contratado pela maior produtora de gás natural da Ucrânia. Hunter Biden agora é o diretor da unidade legal da Burisma Holdings.

Por fim: mesmo que a revolução na Ucrânia realmente tenha sido uma revolução popular, ainda que de caráter nacionalista e conservador, os resultados dela caíram como uma luva para os EUA, a UE e a OTAN. Serviu de justificativa para deixar em "estado de alerta" os exércitos da OTAN, "parados" desde a intervenção na Líbia em 2011. Imediatamente o novo governo assinou um acordo com a UE e Poroshenko, o novo presidente, disse que quer a Ucrânia na UE até 2020. O novo governo também colocou como prioridade entrar na OTAN.

E se não foi uma revolta popular? Quem realmente organizou a revolução deu um golpe na Ucrânia tirou um presidente eleito à força, e colocou no lugar um governo sob seu controle. Mas como? Todos nós vimos dezenas de milhares de pessoas nas ruas. Será possível manipular uma população dessa maneira? E o referendo da Criméia, que a "anexou" à Rússia? Será que os russos sabiam que podiam perder toda a Ucrânia e se prepararam com o plano de manter pelo menos a região da Criméia, com sua posição geoestratégica privilegiada e a base da Marinha?

Enfim, não quero chegar à uma conclusão. Fica pra outro post. Até!

27/02/2015

Geopolítica e o "Fim dos Tempos" - Parte 2

Olá leitores!

Vamos a segunda parte.

Geopolítica e o "Fim dos Tempos" - Parte 2

Na parte um apresentei o livro Entre Duas Eras - América: Laboratório do Mundo, de Zbigniew Brzezinski, Zbig para os íntimos, que na minha opinião é excelente para compreender o que acontece no mundo atualmente. 45 anos depois do livro ser escrito, algumas das tendências que ele apontou se concretizaram. Na parte 1, mostrei minha interpretação de que um dos pontos chave é que a troca de informações global aumenta a visibilidade de acontecimentos que antes ficavam confinados em seu próprio contexto. Isso afeta diretamente as populações, que passam a ver pontos de vista diferentes e então questionam o seu próprio contexto e suas instituições.

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Agora, quero falar do outro lado. Se por um lado a população pode ter sede de tais informações, por outro as instituições e os governos querem protegê-las. Vou dar dois exemplos: um de como a informação passa a ser controlada; outro de como lidam com a informação vazada (não, não vou me dedicar ao Snowden... Ainda!).

Vou focar nos EUA, que é o país que tenho mais pesquisado. Pela lei, nos EUA, há quatro tipos de classificação de documentos, que se aplicam à todas as agências do governo estadunidense. As classificações são UNCLASSIFIED, CLASSIFIED, SECRET e TOP SECRET (não-classificado, classificado, secreto e ultrassecreto). Há inúmeros outros modos de controlar a disseminação de informações, mesmo quando são documentos unclassified. O "labirinto" normativo que dita o controle da disseminação de informações não é o assunto aqui. Vou me concentrar nas estatísticas.

A agência que tem a responsabilidade geral de implementar as diretrizes para classificação, fazer estatísticas de documentos classificados, monitorar se as diretrizes estão sendo seguidas, etc., é a ISOO (Information Security Oversight Office - Escritório para Supervisão de Segurança da Informação).

A ISOO relata que entre 1996 e 2013, a "classificação derivativa" cresceu de 5.6 milhões de documentos para 80 milhões de documentos por ano (gráfico na p. 6), passando por um pico de 95 milhões no ano de 2012. "Classificação derivativa" é burocratiquês para dizer que tais documentos não são documentos originais, mas documentos que por utilizarem informações confidenciais de outros documentos, se tornam confidenciais também. Pelos números, dá pra ver que houve uma explosão na utilização de classificação para tornar documentos secretos do público. Ou seja, justamente na época em que o acesso à informação se generalizou e o governo passou a operar com mais documentos eletrônicos que nunca, o número de documentos secretos produzidos aumentou exponencialmente. E isso aconteceu mesmo com as promessas do Presidente Obama de que seria o presidente "da transparência".

Outro aspecto disso nos EUA é o crescimento do número de funcionários que trabalham nos níveis SECRET e TOP SECRET, que foram assunto de uma série de reportagens de dois jornalistas do Washington Post, William Arkin e Dana Priest. As reportagens estão disponíveis aqui, num site feito especialmente para esse assunto. Posteriormente foi publicado um livro, Top Secret America.
Esse mundo de agências - e inúmeras companhias privadas - é um mundo fechado, no qual só entram as pessoas que passam por um processo de escrutínio que pode levar meses. O processo analisa os antecedentes criminais, o histórico escolar nos mínimos detalhes, a família, os hábitos, etc. Após essa análise, o sujeito sai de lá com uma clearance, basicamente um crachá e um cadastro que permitem que ele acesse os segredos necessários para exercer sua função.

Nos EUA, na época do levantamento (2010), havia "aproximadamente 850 mil pessoas" com o crachá TOP SECRET e mais de 4 milhões com o SECRET. O valor do orçamento que movimenta o mundo secreto, chamado de black budget, é de... Bom, é segredo. Porém, um dos documentos que apareceram no vazamento de Edward Snowden é o relatório marcado TOP SECRET que o Diretor de Inteligência Nacional, James Clapper enviou ao Congresso em 2012, pedindo fundos para 2013. Aqui tem uma excelente página, também do Washington Post, esmiuçando o documento. Nele, o valor pedido para o ano fiscal de 2013 é de US$52.6 bilhões. (Para comparação, os militares do Brasil gastaram US$31.5 bilhões no total em 2013, sendo que o Brasil tem um dos 15 maiores orçamentos militares do mundo). É claro, como esse documento é classificado TOP SECRET, nem o Congresso pode lê-lo! Apenas seletos membros tem acesso ao documento. Quero dizer, tinham, já que essa versão caiu na net. Porém, os pedidos de fundos de 2013-2014 e 2014-2015 ainda são secretos.

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Um exemplo específico de como a Internet foi usada para disseminar informação para afetar um acontecimento em tempo real foi o vazamento da ligação da Secretária Assistente de Estado Victoria Nuland para o Embaixador dos EUA na Ucrânia, Geoffrey Pyatt. É um caso mais complexo do que simplesmente a população ter acesso à informações, já que envolveu um grampo telefônico tecnicamente difícil. Mas o vazamento só teve o efeito que teve por conta da Internet.
Em 6 de fevereiro de 2014, foi enviado um vídeo ao YouTube, com legendas em russo, de uma conversação entre um homem e uma mulher, supostamente Pyatt e Nuland. Nela, os dois interlocutores estão traçando uma estratégia para substituir o governo do Presidente Yanukovych. Discutem futuros líderes e como fazer com que as Nações Unidas concordem com um governo de transição. Nuland supostamente solta a infeliz frase, "f***-se a UE (União Européia)", se referindo à frustração com a falta de ação por parte deles.

Inicialmente, houve dúvida sobre a veracidade da gravação. Porém, a própria Nuland deu uma confirmação indireta ao dizer que "é um trabalho impressionante. A qualidade do áudio é muito boa", mas que "não comentaria sobre uma conversa diplomática privada", e a porta-voz do Departamento de Estado dos EUA Jen Psaki, numa coletiva de dar vergonha alheia, fez malabarismos linguísticos como:
"Eu entendo que há muitos relatos por aí, e uma gravação por aí, mas eu não vou confirmar conversas diplomáticas privadas."
E quando pressionada:
"Essa não é uma acusação que estou fazendo [de que a gravação é forjada]. Só não vou dar detalhes."
Mais pressionada:
"Não disse que não é autêntica. Vamos deixar por aí."
Um pouco mais pra frente, ainda rebatendo o mesmo repórter:
Psaki: "Também deixe-me dizer que [Nuland] está em contato com seus pares da UE e, é claro, pediu desculpas."
Pergunta: "Pediu desculpas pelo quê?"
Psaki: "Por esses comentários noticiados, é claro."
Pergunta: "Então você não está confirmando que os comentários são factuais? Ela-"
Psaki: "Eu simplesmente não vou falar sobre uma conversa diplomática privada"
A maior parte da mídia focou no xingamento, mesmo repetindo que a veracidade da gravação não pode ser determinada. Porém o resto da conversa também é interessante. Nela, Nuland defende o nome de Arseniy Yatseniuk para compor o governo, enquanto Pyatt tem em mente Vitaly Klitschko, o ex-boxeador. Pyatt diz que está tentando "saber o mais cedo possível como vai o casamento de Klitschko". Nuland rebate, dizendo que Yatseniuk é um candidato melhor por sua experiência política e econômica. Bem, aparentemente Nuland estava certa, pois Yatseniuk se tornou o primeiro ministro da Ucrânia três semanas depois.

É claro, na realidade quase não houve reação à essa conversa. Entre as declarações do Departamento de Estado e a falta de vontade da mídia de chegar ao fundo da história, a gravação ficou como uma nota de rodapé no turbilhão que foi a revolução na Ucrânia. Porém, mostrou o potencial de um vazamento em tempo real e também o modo como o governo estadunidense se blindou contra as repercussões dele - basicamente, mentindo.

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Próximo post: Ucrânia.

26/02/2015

Novo layout e cores

Mudei um pouco a cara do blog. Melhorou?

23/02/2015

Geopolítica e "O Fim dos Tempos" - Parte 1

Olá leitor!

Estou reiniciando as postagens no meu blog. Vamos ver no que dá.

Geopolítica e "O Fim dos Tempos"

Ultimamente, tenho sido perguntado diversas vezes se eu acredito que estamos vivendo "no fim dos tempos". A expressão está aí, no cotidiano, toda vez que a nova decapitação, a nova guerra civil ou o novo escândalo da política aparece nos jornais.
O ser humano sempre criou mitos de destruição total. Sempre houve profetas que anunciaram que "o fim está próximo". E em cada época, se utilizaram dos acontecimentos no contexto em que estavam para argumentarem que estavam certos. Por isso, de início, já recuso o argumento de que "agora" é o fim dos tempos.
Dito isso, mesmo assim, os últimos anos parecem sinalizar uma mudança. A aceleração da entrada da tecnologia em nossas vidas, a comunicação instantânea, as redes sociais, etc., estão mudando as relações sociais. Hoje em dia a palavra "singularidade" está aos poucos entrando no vocabulário. A singularidade é um conceito que o futurista Ray Kurzweil tem propagandeado bastante, principalmente a partir do seu livro de 2005, The Singularity is Near (A Singularidade Está Próxima). A singularidade não é o assunto deste post, mas ela resume essa "sensação" de que há uma mudança significativa em curso (caso se interesse, há muita coisa na Internet sobre a singularidade). Para esse post, eu vou mais atrás.
O especialista em União Soviética, e futuro membro do Conselho de Segurança Nacional do governo de Jimmy Carter, Zbigniew Brzezinski, escreveu um livro em 1970 chamado "Entre Duas Eras - América: O Laboratório do Mundo". Segundo a Wikipédia, Zbig, para os íntimos, já estava envolvido em política desde 1960, na campanha de John F. Kennedy. O argumento de seu livro está resumido no primeiro capítulo: "O Começo da Era Tecnotrônica". Nele, ele diz:
A transformação que ora ocorre, especialmente nos Estados Unidos, já está criando uma sociedade cada dia mais diversa de sua predecessora industrial. A sociedade pós-industrial está-se tornando uma sociedade "tecnotrônica": sociedade moldada, cultural, psicológica, social e economicamente, pelo impacto da tecnologia e da eletrônica - em especial na área dos computadores e das comunicações.
 Ele continua, mais para frente:
(...) a crise atual da crença institucionalizada ocorre no contexto da revolução tecnotrônica, revolução que não é territorial mas espaço-temporal. 
 Esta nova revolução afeta quase simultaneamente todo o globo, resultando em que as novidades e as novas formas de comportamento movem-se rapidamente de uma sociedade para outro. (...)
No Terceiro Mundo (...) a comunicação e a educação de massa criam expectativas - para as quais a riqueza material dos Estados Unidos fornecem um vago modelo - que simplesmente não podem ser atendidas pela maioria das sociedades. Como nem a comunicação nem a educação podem ser contidas, é de se esperar que as tensões políticas cresçam na medida em que as atitudes puramente paroquiais tradicionais cedam cada vez mais a perspectivas globais mais amplas. (Grifo meu)

Esse argumento grifado me serviu de referência desde que o li. Zbig descreveu um conflito essencial entre os valores e grupos dominantes de uma sociedade qualquer - o status quo -, e as novas gerações que buscam inovar, criar e questionar tais valores e grupos. Só que apontou uma nova fase, em que qualquer um que queira, pode buscar informação e "perspectivas globais mais amplas", instantaneamente. Ainda que a tensão sempre tenha existido, a sociedade "tecnotrônica" a escancara e dinamiza.
Na minha opinião, isso descreve muito bem a situação atual. As populações dos países mais pobres, com instituições menos sólidas, que antes tinham poucos canais de informações e meios de fiscalizar seus governos, passam a questionar as narrativas dominantes. Os canais de informação que eram controlados, restritos, hierarquizados, não conseguem mais ter informações "exclusivas". Pela Internet, a informação voa ao redor do mundo. Isso gera casos como o de Julian Assange, que desenvolveu uma tecnologia para obter e divulgar os "podres" de diversos governos, e que repercutem às vezes de maneira violenta nos países afetados, como na Tunísia. O Twitter e a própria Internet chegaram a ser bloqueados durante os protestos massivos no Egito em 2011. O Instagram foi bloqueado no auge dos protestos em Hong Kong em 2014.
Ainda assim, há muito controle. A TV ainda é o instrumento de informação e controle mais forte, mas a tendência é clara: quanto mais jovem, menos peso é dado para a informação da TV. Outro fenômeno que veio dessa nova era de comunicação foram as novas formas de organização. Ainda que os núcleos - os sindicatos, os movimentos sociais, os centros acadêmicos - se reúnam "fisicamente", a divulgação de protestos está totalmente inserida e potencializada pelas redes sociais. E tais protestos reúnem indivíduos que talvez nunca se encontrariam, criando novos laços...

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Portanto, pra mim, quando se fala em "fim dos tempos", essa sensação é consequência de que o indivíduo hoje pode escolher mil e uma fontes para obter informações sobre o mundo ao redor. E assim, pode ser que muitos conflitos, que antes estavam do outro lado do mundo e não passavam no Jornal Nacional, agora passem a aparecer na sua Timeline do Facebook. Ou seja, não é exatamente que haja cada vez mais conflitos, guerras, golpes de estado e revoluções no mundo, mas que a visibilidade desses conflitos é muito maior agora. Essa "mera" visibilidade tem consequências para os que mexem os pauzinhos de tais mudanças... (Continua na parte 2)
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